quinta-feira, março 29, 2007

A morte

Lido mal com a morte ainda que saiba que é o fim de mais um ciclo. Lido pior com os rituais do que com o fim em si. Todas as velas, a terra, o silêncio cortado por temas absurdos fazem me mal. Gostaria que os vivenciassemos com silêncio, com sobriedade.Enfim, diferente do que impera na nossa cultura.
A todos os que estiveram ao meu lado em mente e em presença comigo neste últimos dias dificéis o meu sincero Obrigado. Ajudaram me em força a passar por este caminho de perda, com muito colinho à distância. Agora é o tempo a passar e a curar tudo.

Marisa

terça-feira, março 27, 2007

Principezinho e os comboios


O meu doce Principezinho..um livro esfarrapado, já todo marcado e torcido de tantas vezes que o li. É sábio, doce, ligeiro. Cheio de verdades pouco complicadas, fluidas , vindas directamente do coração e da sensibilidade. Gosto sempre de o reler porque me lembra pedaços doce de geleia da vida e de nós mesmos. Beijinhos borboleta para quem o trouxer na alma.

A beleza às páginas tantas..para sorver e partilhar



Duas passagens de uma beleza que me deixam zonza e maravilhada

" Sabes perfeitamente que essa calma não vai durar muito. Assim como sabes que as feras insaciáveis não te dão tréguas, perseguindo-te estejas tu onde estiveres.(...)

Tens medo da tua imaginação. E ainda mais dos teus sonhos. Medo da responsabilidade que começa nos sonhos. Mas precisas de dormir, e com o sono vêm os sonhos. Quando estás acordado, sempre podes suprimir a imaginação. Mas não podes eliminar os sonhos."

" -Não te importas que te imagine nua?

Sakura interrompe o que está a fazer com as mãos e olha-me nos olhos.

- Queres imaginar o meu corpo nu enquanto eu te faço isto?

- Sim.Tenho estado a evitar que isso aconteça, mas não consigo.

- A sério!

- Não é uma coisa que se desligue propriamente como se desliga a televisão.

Ela ri-se.

-Não percebo. devias ter guardado isso só para ti! Podes imaginar o que te apetecer.Não precisas da minha autorização para isso. Como é que posso saber o que te vai na cabeça?

- É mais forte do que eu. Acho que o acto de imaginar é qualquer coisa de extramamente importante, por isso achei melhor dizer-te. Não tem nada que ver com o facto de saberes ou não.

- Que rapazinho bem educado tu me saíste- exclama ela, impressionada.- É querido da tua parte, dares-me conhecimento disso. Tudo bem, tens a minha autorização. Podes imaginar-me nua à vontade.

- Obrigado- digo eu.

- Agora conta-me. Tenho um corpo bonito?

- Espantoso.

(...)

Murakami, Haruki- Kafka à beira -mar, 2002



domingo, março 25, 2007


História trágica com um final feliz
Pequeno filme de animação belissimo. Narrativa simples e eficaz, grafismo delicioso.

terça-feira, março 20, 2007

Conta-me um conto

O Natal de um rouxinol mergulhado em formol



São 3 da tarde do dia 24 de Dezembro de 1992 -véspera de Natal. Entre tubos de ensaio, lentes oculares do microscópio, láminas e lamelas, formol e outros ácidos - isto não significa nada! Se não fosse o pinheiro com luzinhas amarelo esverdeadas e umas fitas pingo doce completamente esgroviadas nos ramos, até me esquecia que era Natal. Há 3 anos que não sei o que é Natal ! Quando Maria morava lá em casa era diferente. Ela chegava todos os dias às 8 da noite e eu às 5 da tarde. Nesse intervalo de tempo, preparava lhe o jantar, mimava o gato e ainda sobravam minutos para encher a banheira d´ água quente com bolinhas de sabão. Para que a Maria chegada do trabalho, triste e cansada, sentisse em casa um pequenino jardim de miosótis que a fizessem sorrir. Como eu amava aquele sorriso nela! Parecia que, naqueles olhos tristes de Outono, o sorriso rasgava lhe na face a apoteose da derrota da tristeza em abono da alegria inconsciente. É que a Maria era uma menina crescida! No seu corpanzil (1,80), escondia trajeitos de menina de bibe e trança de lacinhos. Talvez por isso a amasse tanto. Estava sempre a fazer me lembrar pedacinhos da terra da minha infância. Ora chorava miudinho por se sentir frágil na selva urbana ora enchia o ar com grandes gargalhadas de pequeninas coisas sem jeito.
Foi com essa Maria que vive vinte anos da minha vida. Durante esse tempo para mim, não existiam mais mulheres –só a minha Maria. Podiam sair todos os dias no jornal mulheres lindíssimas, encantadoras, inteligentíssimas em letras GARRAFAIS, cruzar me com a Kate Moss na baixa de Lisboa que eu só tinha olhos para a Maria. Quem mais precisaria da minha protecção como a minha Maria. Essa menina que me enchia os olhos com borboletas e o sono de mãos que deslizam nos lençóis que fazem de todas as noites a noite ideal para fazer amor. Maria era muito frágil como cristal carregado às costas de uma formiga - frágil mas infinitamente grande no seu brilho de estalactite grutal. Por mais que o tempo passe sei que, jamais desaparecerá da minha memória as nossas corridas pela praia ao amanhecer, o jeito dos nossos concursos de trepar às árvores, aquela vez em que amordaçamos o porteiro para fazer amor no elevador! Ah ! Até o jeito maluco com que arrastavas para nossa casa qualquer cão, gato, pedinte ou criança durante semanas e meses a fio! Sinto tanto a tua falta Maria- se soubesses! Maldito comboio! Maldita bicicleta! Eu disse te que não te queria sozinha nas passagens de nível mas tu eras terrivelmente teimosa. E foi essa teimosia, amor, que te levou para bem longe de mim1 Sinto mais essa dor sempre que chega o Natal porque as noites de Natal contigo não eram terrenas - eram simplesmente celestiais. Ao ver te de quimono vermelho com os teus pés pequeninos sentada, como uma gueixa na esteira por detrás do biombo à minha espera…enquanto eu me descalçava e acendia o incenso de ópio no parapeito da janela - apetece me chorar. E saber que depois de jantarmos os dois celebrávamos o Natal como mais ninguém celebrava…..
Deitavas te nua a meu lado e com tinta-da-china cobrias me o corpo com poemas de amor (quase sempre sua tontinha com Perdidamente da Florbela Espanca). Tu adoravas aqueles três versos:

“E é amar te assim Perdidamente
É seres alma e sangue e vida em mim
E dizê lo cantando a toda a gente

e depois eu, deliciava me a escrever Eugénio de Andrade na tua pele nua macia, tão macia que ainda a sinto nos lábios. Aquilo era para nós Natal! Gravarmos na nossa pele odes d’ amor. Afinal não era o Natal uma época de amor universal? Nós tínhamos o nosso Universo que, durante o ano, tu trazias até ele centenas de pessoas com quem retalhavas o coração. Mas , na noite de Natal, o nosso universo era eu e tu, um nós mas com duas partes. Depois, os nossos corpos transfigurados pela poesia, e o Amor na tinta-da-china, perdiamo nos pela noite fora, em fazer amor quentinho como pão. E eu gostava de ver o Eugénio de Andrade contorcer se no teu corpo e a Florbela no meu. Aquelas vogais, virgulas e consoantes e exclamações que ondeavam ao ritmo dos corpos, suando com o nosso arfar. Depois, de manhãzinha, quando ainda dormitavas, levantava me sorrateiramente e ia por o teu presente na tua meiinha cor-de-rosa pendurada na lareira e, sorria porque tu inocentemente manhosa, tinhas já posto o meu presente na minha botifarra cinzenta. Lembro me que, no último Natal que passamos juntos a risota que foi desembrulharmos os presentes! Non-sense total! Na minha botifarra preta tinha uma babete lilás bordada a ponto de cruz “ Papá urso - És o maior da floresta” ( só teu)e, na tua meiinha cor-de-rosa encontraste duas coisas: um frasquinho com água do mar e uma estrelinha cor de laranja grudada ao vidro e, um anel feito de casca de romã ( só meu!)
Só sei que adoramos os presentes e, durante muito tempo, ficamos abraçados a choramingar sobre a nossa felicidade. Era daqueles abraços que não apetece separar! Se ao menos tu estivesses aqui!!!!!!!
Por isso, os meus frascos, os meus livros de genética e o meu bisturi são a minha companhia este Natal. Não seria capaz de passá lo com mais ninguém! Dissessem o que dissessem seria para mim como colocar um menir sobre o nosso Natal. Substitui lo por uma palhaçada qualquer, um ritual que não me ia dizer nada. Para mim, só o nosso Natal é que era Natal…Assim, este vou passá lo a continuar a investigar o gene do envelhecimento. Sabias Maria que estou cada vez mais perto de o encontrar? Sabes, quando tu ainda eras viva, talvez não me importasse tanto de não o descobrir, mas agora não….agora quero deixar uma herança aos outros para que possam ter tempo de amar eterno, para serem eterno…Agora para mim é quase uma questão de honra, dar tudo pela ciência.
( espera Maria, venho já falar contigo mas tenho que ir abrir a janela a um pássaro que, coitado, já está há meia hora a piar do outro lado).Pronto! Já voltei para o pé de ti! Sabes Maria, é um rouxinol e tem uns olhos tão meigos - estranho! Quase parecem os teus. Se visses o modo como fixa o pobre pinheiro escanzelado - dir se ia que o conheceu desde sempre. Enfim, pareço um tontinho a divagar sobre um rouxinol! Santo Deus, estou a ficar senil! Desculpa me Maria mas tenho que ir para perto do cromatógrafo. Já são 8 horas ( a hora a que costumavas chegar) e a essa hora dói me mais falar contigo. Sinto mais a tua falta e, de qualquer modo, tenho o cromatógrafo à minha espera.
Ainda hoje não sei o que se passou naquela estranha noite laboratorial de Natal! Quando conclui as análises, o rouxinol ficou espavorido como um louco a esvoaçar freneticamente pela sala. Tentei chamá lo, abri lhe a janela mas não adiantava. Continuava a piar nervosamente e a voar deitando abaixo os tubos de ensaio. Depois de tanta agitação pousou um instante no parapeito e, nesse instante consegui agarrá lo, mas por pouco tempo. Deu me uma bicada violenta que me obrigou a largá lo e voou certeiro em direcção à árvore de Natal. Oh! Maldito pinheiro! O rouxinol ficou preso na luz eléctrica da estrelinha, no topo da árvore e , poucos minutos depois cheirava por todo o laboratório a penas de rouxinol queimadas. Tinha morrido electrocutado no pinheiro. AH! Maldito pinheiro!
Ainda hoje me pergunto se aquele estranho pássaro seria teu mensageiro, Maria ? Ou mesmo se aquele rouxinol, Maria eras tu? Não entendo.
O que é certo é que desde aquela estranha noite nunca mais montei o pinheiro de Natal e quanto ao rouxinol, mesmo ficando na amarga dúvida Maria, se serias tu, mergulhei o nessa mesma noite num frasco transparente de formol e numa prateleira de mogno lá está ele até hoje.
Não sei se o bicho era uma mensagem celeste, mas fosse o que fosse, acho que me agradeceria o descanso que lhe dei. Depois de uma noite agitada a calmaria do frasco e o frio do formol parece me a mim o rótulo da Eternidade.
E quanto a ti Maria, meu amor, se eras tu, perdoa me que não te vi, a não ser naqueles olhos tristonhos tão familiares ! Se eras tu assassinei te sem querer e , encarcerei te a ti, ao meu amor e ao pássaro num frasco que, apesar de não ser mais do que um frasco é a expressão exacta do meu bem querer. Tu mergulhada onde Eu te possa proteger dos perigos dos comboios e luzes de Natal.
Amo te muito
Bernardo


segunda-feira, março 19, 2007

Dedico ao menino/homem do Nariz vermelho dos múltiplos heterónimos

Gosto de borboletas, de fadas, de bolas de sabão.Enfim..de tudo o que é leve e mágico. Basta um balão de ar quente e lá vou eu....sorriso rasgado
Gosto de insuflar a minha alma de leveza e depois voar para debaixo da próxima onda ou da próxima árvore. Gosto das pessoas interessantes que passam na minha vida e acrescentam sempre algo de novo. As pessoas interessantes são como as caixinhas de música. Sempre que partilham a alma enchem-nos de pausas e sons.Insuflam mutuamente a vontade de criar, viajar. Deveria existir o congresso das pessoas interessantes para criação de pautas oniricas....
Enquanto no globo terreste e galáxias contíguas existirem criadores, poetas, sonhadores, andarilhos a solidão não chega a sentar-se à mesa .Está-se sempre em festa.Na nossa própria companhia e na companhia daqueles que vem por bem




Chico Buarque Solidão





Solidão não é a falta de gente para conversar, namorar, passear ou fazer sexo... Isto é carência!

Solidão não é o sentimento que experimentamos pela ausência de entes queridos que não podem mais voltar... Isto é saudade!


Solidão não é o retiro voluntário que a gente se impõe, às vezes, para realinhar os pensamentos... Isto é equilíbrio!


Solidão não é o claustro involuntário que o destino nos impõe compulsoriamente... Isto é um princípio da natureza!


Solidão não é o vazio de gente ao nosso lado... Isto é circunstância!





Solidão é muito mais do que isto...Solidão é quando nos perdemos de nós mesmos e procuramos em vão pela nossa alma.



Se eu pudesse trincar a terra toda
E sentir-lhe um paladar,
E se a terra fosse uma cousa para trincar
Seria mais feliz um momento...
Mas eu nem sempre quero ser feliz.
É preciso ser de vez em quando infeliz
Para se poder ser natural...
Nem tudo é dias de sol.
E a chuva, quando falta muito,pede-se.
Por isso tomo a infelicidade com a felicidade
Naturalmente, como quem não estranha
Que haja montanhas e planícies
E que haja rochedos e erva...
O que é preciso é ser-se natural e calmo
Na felicidade ou na infelicidade,
Sentir como quem olha,
Pensar como quem anda,
E quando se vai morrer, lembrar-se de que o dia morre,
E que o poente é belo e é bela a noite que fica...
Assim é e assim seja...

Alberto Caeiro( heterónimo de Fernando Pessoa)

Cântico Negro - José Régio


"Vem por aqui" — dizem-me alguns com os olhos doces
Estendendo-me os braços, e seguros
De que seria bom que eu os ouvisse
Quando me dizem: "vem por aqui!"
Eu olho-os com olhos lassos,
(Há, nos olhos meus, ironias e cansaços)
E cruzo os braços,E nunca vou por ali...

A minha glória é esta:Criar desumanidades!
Não acompanhar ninguém.
— Que eu vivo com o mesmo sem-vontade
Com que rasguei o ventre à minha mãe
Não, não vou por aí! Só vou por onde
Me levam meus próprios passos...
Se ao que busco saber nenhum de vós responde
Por que me repetis: "vem por aqui!"?

Prefiro escorregar nos becos lamacentos,
Redemoinhar aos ventos,
Como farrapos, arrastar os pés sangrentos,
A ir por aí...


Se vim ao mundo, foi
Só para desflorar florestas virgens,
E desenhar meus próprios pés na areia inexplorada!
O mais que faço não vale nada.
Como, pois, sereis vós
Que me dareis impulsos, ferramentas e coragem
Para eu derrubar os meus obstáculos?...

Corre, nas vossas veias, sangue velho dos avós,
E vós amais o que é fácil!
Eu amo o Longe e a Miragem,
Amo os abismos, as torrentes, os desertos...

Ide! Tendes estradas,
Tendes jardins, tendes canteiros,
Tendes pátria, tendes tetos,
E tendes regras, e tratados, e filósofos, e sábios...
Eu tenho a minha Loucura !
Levanto-a, como um facho, a arder na noite escura,
E sinto espuma, e sangue, e cânticos nos lábios...


Deus e o Diabo é que guiam, mais ninguém!
Todos tiveram pai, todos tiveram mãe;
Mas eu, que nunca principio nem acabo,
Nasci do amor que há entre Deus e o Diabo.

Ah, que ninguém me dê piedosas intenções,
Ninguém me peça definições!
Ninguém me diga: "vem por aqui"!

A minha vida é um vendaval que se soltou,
É uma onda que se alevantou,
É um átomo a mais que se animou...
Não sei por onde vou,
Não sei para onde vou
Sei que não vou por aí!

segunda-feira, março 05, 2007






















Rio-me de mais um instante

Rio me por fora no vestido
Por dentro na covinha da
gengiva
O teu olhar faz me cócegas
Na bainha do meu vestido
E arrepios na sola do meu sapato
Sinto as tuas mãos brincarem nos meus sonhos
Os meus olhos seguem te os pensamentos
Tens o mar por todo o teu mundo
Eu a terra húmida em cada pedacinho de pele
Quando me abraças, sinto na
cabeça um caleidoscópio tonto
E que me deixa a respiração zonza e o chão
treme
Quando me ouves, sei que sentes, uma caixinha de música no bolso
A
tremer e te solta uma vontade gigante de cantar
Um beijo, dois, três,…, cem
– a conta se me perdeu
Ao sentir te morno,
Não sei se nas pernas, no
pescoço,
Ou no teu sexo que se empina só para que o admire
Já sei! Foram
mil, com intervalo aberto de mais infinito
Não vás. Fica para que eu os
posso contar
Para ter a certeza que não deixei de contar nem um só que fosse
Não me digas que gostavas de ficar, de estar, de aparecer
Aparece, fica,
está
Aqui neste intervalo entre a minha covinha do queixo e eu
Quando cá
chegares tenho chá e biscoitos
Um vestido risonho
E uma convinha
acentuada na gengiva


Marisa Miosótis


quinta-feira, março 01, 2007



Miosótis. Gosto desta flor.É pequena,discreta, intensa, de um azul profundo. Relembra-me Milan Kundera no livro Imortalidade. Relembra-me um ramo que nunca tive, que não sei se existe, um ramo sonhado e idealizado por mim. Um ramo de um pedaço de céu roubado da florista ou do quintal da vizinha. Eu, ainda gosto de sonhar com flores, com abraços, com gesto de cavaleiro andante com dois cavalos. Hoje cultiva-se o sonho do salário, do IRS, do carro, da casa e da ostentação. Eu, por engano, tolice ou por fé, sonho com flores, com risos, com cócegas, com Beninis. Essa força de bondade e beleza sim, enche-me a alma

De risos desencontrados, de mãos cúmplices, de atacadores desapertados, e de ramos de miosótis na mão

Morgana